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Entrevista Ideal com a psicóloga e professora Laéria Fontenele

Foto do escritor: Ideal ClubeIdeal Clube


Laéria Bezerra Fontenele é uma figura das mais distintas no convívio idealino. Professora titular da UFC, é a primeira psicóloga e psicanalista a integrar o seleto grupo de membros da Academia Cearense de Letras. Frequentadora assídua dos eventos culturais promovidos no clube, ela afirma que o Ideal é um local muito acolhedor... Confere a entrevista!


Como era a vida da menina Laéria?

Cercada por margens que interligam sem descontinuidade o dentro e o fora. Sertão por todos os lados.


Quando e como se deu a decisão de estudar Psicologia?

Atraía-me o estudo da Química e intencionava cursá-la na UFC. Quando do momento de minha inscrição para o Vestibular, por um impulso, candidatei-me a uma vaga em Psicologia; aprovada, fiz o Curso com êxito e alegria.


Como foram os anos de estudante na Universidade Federal do Ceará?

Edificantes. Vivi intensamente o ambiente universitário: as aulas; os laboratórios de Química Geral e Química Orgânica; o anfiteatro das aulas de Anatomia na Faculdade de Medicina; o Centro Acadêmico de Psicologia – de que fui diretora por uma gestão; as Assembleias de estudantes e professores, quando das greves; as celebrações e, posteriormente, o Mestrado e o Doutorado em Sociologia. Fiz grandes amigos e tive excelentes professores. Deixaram-me, alguns deles, para além dos conteúdos, importantes legados; seus atos avessos aos discursos de dominação e às lutas de prestígio por reconhecimento; descortinaram-me os horizontes para a percepção da diversidade do mundo, para precariedade das certezas e para a perversa lógica do discurso do capitalismo selvagem. Esses Mestres fomentaram, em meu espírito, a habilidade para desconstruir criticamente os sentidos e valores estabilizados; foram eles, na Graduação: Gouvan Magalhães; Teoberto Landim; Lílian Smith; Elizabeth Mota; Ricardo Barrocas; José Telmo Valença; César Wagner Gois; Sandra Almeida; Geraldo Markan; no Mestrado e Doutorado em Sociologia: Manfredo Araújo Oliveira; Irlys Firmo Barreira; Eduardo Diathay Bezerra de Menezes; Silvia Porto Alegre; Charles Bellier.


E como é a experiência como professora?

Um aprendizado sempre renovado: cada turma é diversa, cada aluno singular, e as conquistas, desafios ou dissabores dependem disso. Gosto de ministrar aulas, pesquisar e usufruir o clima de abertura às ideias e à criação, próprio a uma Universidade.


Em 2020, você assumiu a cadeira 24 da Academia Cearense de Letras. Você acha que esse universo acadêmico é um pouco “machista”? Muito embora uma mulher tenha presidido a ACL recentemente.

Não creio que o gênero seja um critério para a escolha de Acadêmicos, e sim suas histórias, seus méritos e/ou as contribuições que os pares que os elegem julgam favoráveis às Instituições de Cultura. Também não considero que, ao universo acadêmico, seja atribuída de forma exclusiva o qualificativo de machista, pois nosso psiquismo é que, estruturalmente, tem dificuldade de absorver todas as formas de alteridade: a mulher, o sexo, a morte, as diferenças raciais etc. Por isso, a luta por simbolizá-los e por assegurar-lhes um lugar na Cultura tem que ser constante e nos convida a reinventar cada vez mais novas formas de inclusão e de nomeação do impossível. Até nossos dias, muitas já foram as conquistas asseguradas em prol da afirmação de direitos dos que fogem à identidade normativa do uno, sobretudo na modernidade, por cientistas, filósofos, movimentos sociais e artísticos, mas elas precisam prosseguir. Não me sinto vitimada por ser mulher, gosto de ser mulher. E penso que, assim como as mulheres, todos aqueles que são vítimas de alguma forma de preconceito ou se veem impedidos de conquistar espaços e sonhos, não conseguirão sair dessa posição se assumirem a condição de vítimas.


Como é a sua relação com a literatura e com a cultura em geral?

De permanente cultivo. Ler e estudar são vitais à minha existência. Fora isso, meu trabalho na Universidade e minha participação como Diretora do Corpo Freudiano são ambos direcionados à reflexão e a ações no campo da Cultura, – um benefício a um grande número de pessoas ao longo das últimas duas décadas.


E a sua relação com o Ideal Clube?

Desde os tempos da Graduação, frequentava as atividades culturais promovidas pelo Clube e o admiro por sua insistência em incentivá-las. É um lugar acolhedor, onde se pode conviver civilizadamente com diferentes tipos de pessoas e, sobretudo, com aquelas de que mais gostamos.


Qual aquele grande momento já vivido no Ideal?

Vivi alguns memoráveis, dentre eles, cito o acolhimento do Clube aos Colóquios Internacionais por mim presididos, e que ocorreram em seus salões, em que tive a honra de receber dois dos maiores nomes da Psicanálise contemporânea, depois de Jacques Lacan: em 2012, Alain Didier-Weill (psicanalista francês, falecido em novembro de 2018 e responsável por novas contribuições à teoria e à prática psicanalítica); e, em 2016, Diana Rabinovich (psicanalista argentina, responsável pela introdução do pensamento de Lacan na América Latina e pela promoção, em Caracas, de grande evento que contou com a presença de Jacque Lacan em nosso Continente). Além disso, senti-me muito feliz ao ver o Ideal premiar, com o títulos de Personalidade Cultural, os grandes escritores - e amigos - José Alcides Pinto; e Airton Monte.


Como é a Laéria em família?

Dedicada, na medida de minhas possibilidades, pois o trabalho consome muito do meu tempo e até dos meus finais de semana. Orientam-me, além disso, valores simbólicos e éticos.


Quais são os seus planos?

Continuar realizando atividades que sejam enriquecedoras para mim e que, porventura, possam também para contribuir para elevar as Instituições de que faço parte.


Sob a luz da psicanálise, como as pessoas devem proceder agora após esse momento de pandemia mundial?

A psicanálise não porta e nem engendra uma visão de mundo. É uma ciência particular do particular e não tem uma resposta universal para os dramas, as comédias ou as tragédias humanas. Desse modo, como psicanalista, o que tenho a dizer é que cada um vai tirar a lição que for capaz de extrair desse difícil momento. Lamentavelmente, nem todas elas serão necessariamente lições edificantes para os desígnios da humanidade.

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